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Programa de Matemática do Ensino Básico: perspectiva de algumas mudanças no 1.º Ciclo

Hélia Sousa
Agrupamento de Escolas da Portela e Moscavide - Loures / Requisitada na DGIDC - Lisboa

O processo de generalização do Programa de Matemática

O novo Programa de Matemática para o Ensino Básico, homologado em Dezembro de 2007, constitui um reajustamento dos Programas de Matemática anteriores (incluindo o do 1.º ciclo) e tem como referência o Currículo Nacional de 2001.

No ano lectivo 2008/2009, o Programa de Matemática foi implementado a nível nacional em 40 turmas do Ensino Básico, sendo duas turmas de cada um dos quatro anos de escolaridade em experimentação (1º, 3º 5º e 7º anos) de cada Direcção Regional de Educação. O Ministério de Educação/DGIDC desenvolveu um dispositivo de acompanhamento para apoiar os professores que participaram neste processo de experimentação do Programa, que incluiu: formação realizada por alguns autores do Programa e outros formadores especializados; reuniões para discussão das ideias do Programa, aprofundamento dos conceitos envolvidos, planificação de aulas e realização de balanços sobre a experiência; acompanhamento em sala de aula; disponibilização de materiais de apoio para a abordagem dos temas do Programa; e dinamização de uma plataforma Moodle para partilha de materiais e comunicação entre todos os intervenientes.

No ano lectivo 2009/2010, o Ministério da Educação permitiu o início do processo de generalização do novo Programa de Matemática aos Agrupamentos de Escolas e Escolas não agrupadas do ensino básico (AE/E) que reunissem as condições necessárias para o efeito. Em resposta ao edital lançado pela DGIDC, candidataram-se cerca de 450 AE/E de Portugal Continental. Estas escolas puderam recorrer a uma estrutura de apoio à gestão do Programa de Matemática especialmente pensada, incluindo a criação de coordenadores dos vários ciclos e a dedicação dos Professores Acompanhantes do Plano da Matemática II.

No presente ano lectivo, todos os AE/E estão já a trabalhar com o novo Programa de Matemática em alguns anos, em 2011/12, o processo de generalização já envolverá todos os anos de escolaridade do ensino básico nos AE/E que iniciaram o processo de generalização no ano transacto, e em 2012/2013 estarão, finalmente, envolvidos todos os anos de escolaridade.

O Ministério da Educação tem proporcionado um conjunto de condições que apoiam, através de diversos meios, os professores neste processo de generalização do Programa de Matemática (2007), nomeadamente: Deu continuidade ao Programa de Formação Contínua em Matemática para professores dos 1.º e 2.º ciclos, o qual se focou, nos últimos anos, no aprofundamento da matemática e didáctica vinculada pelo Programa; Formou formadores e professores do 3.º ciclo que, por sua vez, têm realizado Oficinas de Formação em vários Centros de Formação do país, no âmbito de vários temas matemáticos do Programa, das capacidades transversais e da didáctica que lhe está associada; Publicou brochuras e materiais de apoio à leccionação do Programa elaborados por alguns dos autores e especialistas de várias áreas da Matemática e da Educação Matemática; e, como já foi referido, deu continuidade ao Plano da Matemática (PMII) por mais um período de três anos, apoiando o desenvolvimento dos projectos das escolas, abrangendo desta vez também o 1.º ciclo, e incluindo o apoio aos professores na gestão do novo Programa de Matemática.

Que mudanças no 1.º ciclo?

A estrutura do Programa de Matemática e a linguagem nele utilizada, comum aos três ciclos, bem como as Finalidades, os Objectivos gerais e as Orientações metodológicas gerais definidas, impõem a necessidade de se pensar o ensino e a aprendizagem da Matemática de forma articulada entre todos os ciclos, desde os primeiros anos. Esta perspectiva de pensar numa lógica de articulação vertical, tendo como referência um documento programático desta natureza, é a primeira vez que acontece no nosso país e, para ser concretizada, vai requerer a necessidade de um trabalho de cooperação entre os professores dos diferentes ciclos, nomeadamente ao nível dos agrupamentos de escolas. Esta cooperação dos professores implica espaços de trabalho conjunto para tomada de decisões de gestão curricular e para delineamento das acções a desenvolver com os alunos no âmbito do ensino da Matemática, incluindo a reflexão conjunta sobre as especificidades de cada ciclo de ensino.

As três capacidades transversais destacadas no Programa – a Resolução de problemas, a Comunicação matemática e o Raciocínio matemático – aparecem com a mesma estrutura que os temas matemáticos, com especificação dos aspectos que devem ser trabalhados em cada um dos ciclos e, no caso do 1.º ciclo, em cada uma das etapas. Esta opção do Programa dá às capacidades transversais mais visibilidade e fornece indicações precisas aos professores sobre o trabalho que deve ser feito para que estas capacidades sejam, efectivamente, desenvolvidas nos alunos.

No que diz respeito aos temas matemáticos também há mudanças a assinalar. Por exemplo, no tema Números e Operações, o Programa de Matemática dá grande destaque ao desenvolvimento do sentido do número. Embora esse destaque esteja presente no propósito principal de ensino de todos os ciclos, é no 1º ciclo que se inicia o desenvolvimento da compreensão dos números e das operações e, de facto, o trabalho a realizar tendo por base o desenvolvimento do sentido de número implica novas preocupações e abordagens. Logo que os alunos iniciam o 1.º ano, é necessário dar atenção aos conhecimentos que os alunos já trazem sobre os números e proporcionar-lhes contextos de trabalho ricos que incluam esses conhecimentos e que os ajudem a desenvolver o sentido de número nos seus vários aspectos. Isso não se faz como tradicionalmente, em que se apresentava, de forma progressiva, um número de cada vez aos alunos, a começar pelo 1. Ao longo de várias semanas, os alunos iam fazendo fichas de trabalho onde aprendiam a desenhar os algarismos e contavam representações de objectos até ao número onde ‘iam’. Neste cenário, era natural que no final do 1.º Período os alunos soubessem os números até 5, tal como aparecia em qualquer manual desse ano de escolaridade. Ora esse tipo de trabalho já não faz sentido à luz deste programa nem perante a realidade social actual, com uma grande parte dos alunos a frequentarem a educação pré-escolar.

Para desenvolverem o sentido de número, tal como está indicado no Programa de Matemática, os alunos devem logo no 1.º ano começar por estabelecer relações entre os números, compor e decompor números, utilizar números de referência para fazerem contagens e realizarem cálculos mentalmente e de forma flexível, compreender e memorizar factos básicos da adição e relacioná-los com os da subtracção, resolver problemas numéricos baseados em contextos significativos, entre outros aspectos. Para que estas aprendizagens sejam possíveis é necessário envolver os alunos em propostas de trabalho que as potenciem, tendo em vista o desenvolvimento do sentido de número.

A representação do cálculo na horizontal durante os dois primeiros anos, que corresponde a um cálculo assente em estratégias baseadas na compreensão dos números e das operações, é também uma mudança significativa neste ciclo de ensino, dada a forte tradição da escola portuguesa em introduzir o cálculo algorítmico demasiado cedo, suportado pelo decorar de procedimentos ensinados aos alunos antes do desenvolvimento dos conhecimentos que seriam necessários para a sua compreensão. Por exemplo, para calcular 13 + 19, a maioria das vezes os alunos recorrem ao processo de cálculo que aprenderam na escola, ou seja, ao algoritmo da adição. Mas, como se trata de uma adição ‘com transporte’ implicando o tradicional ‘e vai um’ para a coluna das dezenas, este tipo de adição só aparece no final do 1.º ano ou até no 2.º ano de escolaridade, mesmo que envolvam números com uma ordem de grandeza inferior à que os alunos são capazes de utilizar. Isto representa uma limitação e torna o trabalho que se propõe aos alunos muito aquém do que eles poderiam realizar e, muitas vezes, artificial. Ficam frequentemente por trabalhar outros processos e estratégias expeditas que podem ser usadas para realizar este cálculo desde o início do 1.º ano, como, por exemplo, adicionar 13 mais 20 e depois retirar 1. Adoptando uma representação em linguagem matemática, uma forma possível dos alunos pensarem é recorrer a dois saltos de dez e dessa forma adicionarem 20, retirando 1, em seguida:

13 + 20= 13 + 10 + 10 = 33

33 – 1 = 32

 

Ou, então, pensarem que 13 mais 13 são 26 e depois adicionarem mais seis, porque dos 13 para os 19 ainda ficaram 6 por adicionar. Para adicionar 26 mais 6, uma hipótese é adicionar 26 mais 4, que dá 30, e depois adicionar os 2 que ainda faltam, chegando ao resultado. Representando em linguagem matemática:

13 + 13 = 26

26 + 6 = 26 + 4 + 2 = 30 + 2 = 32

 

Enfim, muitas outras estratégias de pensar este cálculo podem ser utilizadas permitindo a obtenção de um resultado correcto. A diferença entre estas estratégias e o cálculo algorítmico tradicional é que estas formas alternativas baseiam-se na compreensão dos números e das suas relações, no conhecimento de factos básicos da adição, no dar sentido aos números e operações. Este trabalho é muito importante nos dois primeiros anos, para que depois a aprendizagem dos algoritmos possa surgir com compreensão na segunda etapa do 1.º ciclo – e ser mais uma opção para o cálculo, e não a única forma de calcular, pois numas situações pode ser mais eficaz utilizar um algoritmo mas noutras não. Na vida do dia-a-dia é mais fácil e prático utilizar formas mais flexíveis de cálculo do que utilizar papel e lápis, ou mesmo uma máquina de calcular. Quando se desenvolve o sentido de número, aprende-se a seleccionar qual é a forma mais eficaz de cálculo - tendo em conta a situação, os números envolvidos, as estratégias que se conhecem, as preferências pessoais – e a realizá-lo de forma confiante.

Neste Programa de Matemática, a aprendizagem dos números racionais não negativos também implica algumas alterações na sua abordagem, dando importância aos dois tipos de representação numérica desses números – a decimal e a fraccionária – bem como à sua compreensão. A valorização do desenvolvimento do pensamento algébrico desde os primeiros anos é outro aspecto a ressaltar e que envolve mudanças no trabalho a desenvolver e a propor aos alunos. O tema Organização e Tratamento de Dados surge em todos os ciclos do ensino básico, estando a sua aprendizagem ligada à representação dos dados, à formulação de questões e à interpretação de resultados, especificados para cada etapa do 1.º ciclo. Também a Geometria e a Medida implicam um novo impulso no tipo de trabalho que é necessário propor aos alunos para que desenvolvam o sentido espacial, a visualização e a compreensão das grandezas e respectivos processos de medição.

Ao nível da gestão curricular, o Programa também apresenta indicações, destacando a necessidade de um planeamento a vários níveis, com opções baseadas em intencionalidades bem definidas, envolvendo a selecção de tarefas no âmbito de cada um dos temas matemáticos, prevendo o desenvolvimento das capacidades transversais. É importante que o ambiente em sala de aula seja propício ao ensino exploratório, com momentos de aula diferenciados, destacando-se um momento de aula em que os alunos trabalham autonomamente na realização de uma dada tarefa, um momento de aula em que é dinamizada pelo professor uma discussão a partir das resoluções decorrentes do trabalho anterior dos alunos e, finalmente, uma síntese em que são destacados os principais conceitos matemáticos a reter dessa tarefa e as conexões que se podem estabelecer nesse contexto.

Alguns professores do 1.º ciclo que têm trabalhado com este Programa de Matemática, nomeadamente os que leccionaram as turmas piloto, têm referido que este Programa exige, pela parte dos professores, um aprofundamento dos conhecimentos matemáticos, didácticos e curriculares. Dessa experimentação também se pode concluir que este Programa abre perspectivas para que os alunos desenvolvam melhores aprendizagens em Matemática, com ênfase na compreensão, potenciando desempenhos matemáticos nos alunos de um nível mais elevado. Para isso, muitos professores têm reconhecido a necessidade de formação adequada ou valorizado a frequência na que tem sido proposta neste âmbito. Também tem sido muito reconhecido o contributo dos materiais produzidos e disponibilizados para apoio ao desenvolvimento do novo Programa, nomeadamente na página da DGIDC, no sítio http://area.dgidc.min-edu.pt/materiais_NPMEB/home.htm, bem como outros materiais que têm sido publicados noutros contextos.

Espera-se que este Programa de Matemática seja um instrumento efectivo de trabalho para os professores, gerador de melhores práticas de ensino e de melhores aprendizagens em Matemática para todos os alunos do ensino básico.