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Projecto ‘TurmaMais’: reagrupar sem segregar e melhorar resultados[1]

José L. C. Verdasca
Universidade de Évora
Director Regional de Educação do Alentejo

Nota Introdutória

O projecto ‘TurmaMais’ nasceu na Escola Secundária ‘Rainha Santa Isabel’ de Estremoz (ESRSIE) e está hoje alargado a mais algumas escolas do Alentejo e do País. Foi inicialmente concebido e direccionado ao 7º ano de escolaridade com o propósito de conseguir a plena integração e a sobrevivência escolar de todos os alunos. Os resultados têm mostrado que se trata de uma caminhada difícil, mas que com persistência, envolvimento e implicação de todos parece possível de alcançar.

O projecto ‘TurmaMais’ radica na assunção de que a escola dispõe de campo de manobra e de mais autonomia na esfera organizativa, em particular, na fixação de critérios de constituição dos agrupamentos internos de alunos e no uso de combinatórias geradoras de novas dinâmicas ao nível da turma e de soluções no plano da organização pedagógica potenciadoras de melhorias significativas dos resultados escolares.

O presente texto reflecte convergências e entendimentos construídos ao longo dos últimos anos, quer por via da matriz teórico-conceptual de suporte do projecto, alicerçada nos resultados da nossa própria investigação de campo[2], quer por via do acompanhamento de proximidade que o lançamento da experiência ‘TurmaMais’ no terreno viria a possibilitar e que as diversas análises e reflexões conjuntas permitiram consolidar e aprofundar.

A leitura crítica e a gestão dos resultados despoletaram dinâmicas de forte liderança e coordenação intermédia, inspiraram soluções apoiadas em equipas docentes, fizeram emergir a unidade ano de escolaridade e ciclo de estudos e reforçaram as bases do trabalho cooperativo.

Por último, a exploração e desenvolvimento de critérios e procedimentos para a mensuração dos resultados, têm contribuído para lançar e aprofundar o debate sobre a adequabilidade e validação de instrumentos metodológicos de análise do desempenho escolar.

Desenho organizativo

A ‘TurmaMais’, é um projecto sustentado numa tecnologia organizacional que combina a dimensão e a estrutura de composição da turma como factores de promoção do sucesso escolar.

No plano organizativo pedagógico, a ‘TurmaMais’ é uma turma sem alunos fixos que agrega temporariamente alunos provenientes das várias turmas do mesmo ano de escolaridade que vão circulando de tantas em tantas semanas, normalmente cinco a seis vezes por ano lectivo. Nesta espécie de ‘plataforma giratória’ cada grupo de alunos fica sujeito a um horário de trabalho semelhante ao da sua turma de origem, com a mesma carga horária e o mesmo professor por disciplina. Cada grupo específico de alunos continua a trabalhar, sem sobrecarga de horas semanais, os conteúdos programáticos que a sua turma de origem está a desenvolver, podendo beneficiar de um apoio mais próximo e individualizado facilitado em grande parte pela semelhança dos ritmos de aprendizagem do grupo.

O modelo pode abranger a totalidade do currículo escolar ou apenas parte dele; neste caso, integraria apenas as disciplinas mais críticas em termos de resultados escolares e só nestas disciplinas se processaria o movimento giratório dos alunos.

  

 Aos coordenadores intermédios e respectivas equipas docentes cabe a responsabilidade de organizar os diferentes grupos de alunos, com base no critério ‘nível de desempenho’. As equipas docentes e o reforço e afirmação das lideranças intermédias revelam-se um factor chave na deslocação do modelo de agrupamento ‘turma’ para o agrupamento ‘ano de escolaridade’ e deste para o ‘ciclo de estudos’ e nos realinhamentos e reconfigurações que as ‘novas’ distribuições de alunos e docentes requerem. Deste modo, pode a equipa cumprir uma das suas mais importantes funções: encontrar soluções de trabalho viáveis para as diferentes dinâmicas de grupo surgidas, orientando e desenvolvendo as actividades educativas de acordo com as características do grupo de alunos e os respectivos resultados.

Esta equação organizativa inspira-se e alicerça-se no princípio do primado das soluções inclusivas e integracionistas em contexto escolar não diferenciador e está em plena consonância com as finalidades prevalentes da educação escolar básica (LBSE, art. 7º). Por outro lado, centra na liderança e coordenação intermédia a força motriz do impulso energético na organização permanente do processo de planeamento, acompanhamento e monitorização das equipas docentes e da constituição dos agrupamentos e reagrupamentos cíclicos internos de alunos. E é, porventura, na congregação simultânea destes dois elementos que radica a chave para a sustentabilidade do modelo: tudo se passa ao mesmo tempo, no mesmo espaço, com o mesmo referente programático de conteúdos, com todos os alunos, sob a liderança e orientação de uma equipa docente que acredita e está apostada no desafio de conseguir provocar mais e melhores aprendizagens e de alcançar mais e melhores resultados.

Resultados: leituras e interpretações

Na ESRSIE, a experiência ‘TurmaMais’ já percorreu por diversas vezes o 3º ciclo, tendo sido aplicada ao 9º ano pela primeira vez em 2005/06 e de forma continuada às sucessivas gerações escolares que na escola iniciaram o 7º ano de escolaridade.

A apresentação e discussão dos resultados está organizada em torno de três indicadores:

  • Evolução comparativa das taxas de retenção;

  • Evolução da qualidade do sucesso;

  • Combinatória ‘probabilidade de sucesso escolar com diferencial temporal zero (psedto) e classificação de exame em Português e Matemática (cex)’.

Evolução comparativa dos níveis de retenção

Para medir este indicador apuraram-se as taxas médias de retenção por ano de escolaridade no país e na ESRSIE, relativas ao conjunto de anos lectivos antes e após a aplicação da experiência ‘TurmaMais’. O gráfico 1 resume os perfis de retenção e, por comparação, a variação relativa observada. 

Gráfico 1

Taxas médias de retenção antes e após a experiência ‘TurmaMais’

 Da observação dos traçados gráficos constata-se a quebra significativa da retenção quer relativamente à observada no país, quer em relação à ESRSIE antes da experiência (quase -40%), qualquer que seja o ano de escolaridade. Na globalidade do 3º ciclo, esta quebra é da ordem dos -30% em relação ao país e de cerca de -40% em relação à ESRSIE. Saliente-se, ainda, que a partir do ano lectivo 2004/05 se ampliou na ESRSIE o nível de exigência ao reduzir-se o número de níveis inferiores a 3 com que os alunos transitam do 7º para o 8º ano e deste para o 9ºano. Até esse ano os alunos puderam transitar com três níveis inferiores a 3 e a partir daquele ano lectivo restringiu-se a transição a alunos que apenas obtivessem dois níveis inferiores a 3, desde que não fossem cumulativos em Língua Portuguesa e em Matemática.

Evolução da qualidade do sucesso

Este indicador foi apurado com base na distribuição dos níveis classificatórios do corredor da escala avaliativa. Da análise dos resultados parece sobressair o aumento da qualidade do sucesso escolar. Com efeito, esta é a conclusão que se pode extrair quando se observa um acréscimo de cerca de 40% nos níveis 4 e 5 contra um decréscimo de -55% nos níveis 1 e 2, antes e após o arranque da experiência ‘TurmaMais’, respectivamente. O gráfico 2 resume a evolução qualitativa referida.

Gráfico 2

Evolução da qualidade do sucesso escolar

  Por outro lado, a análise das médias das classificações de exame do 9º ano nas disciplinas de Português e Matemática desde 2005/06 nas várias escolas, parece indiciar uma certa tendência para a correlação negativa entre o índice de sobrevivência geracional ou de probabilidade de sucesso escolar (pse) e as classificações do grupo sobrevivente em exame (cex).  

Gráfico 3

Traçados comparativos ‘pse’ e ‘cex (valores normalizados)

 Esta correlação de sentido negativo é de certa forma explicável por uma espécie de efeito depurador que o próprio abandono ou retenção acaba por exercer no grupo sobrevivente. Com efeito, parece tolerável que uma escola que apresenta a exame a geração escolar completa ou quase completa que iniciou o ciclo possa não vir a conseguir uma tão boa prestação média em exame dos seus alunos do que uma outra escola que no decorrer do ciclo depurou ou pouco fez para evitar a depuração de uma parte significativa do grupo geracional inicial.

Concretizando: se dos alunos de uma geração se apresentam em exame apenas uma pequena parte, porque os restantes já abandonaram, ficaram retardados no seu itinerário escolar ou mudaram de rede formativa, é bem provável que o grupo sobrevivente possa vir a desempenhar bem melhor em exame do que os de uma outra coorte escolar que não sofreu neste percurso depuração e se apresenta na sua totalidade a prestar provas.

O que se deve valorizar mais, a primeira ou a segunda das situações? Não haverá provavelmente uma só resposta, pelo facto de a mesma não ser independente de factores de contexto e da respectiva finalidade e função social esperada. Naturalmente que num contexto de escolaridade básica de cariz universalista e em idade de frequência escolar obrigatória a segunda opção fará provavelmente mais sentido e cumprirá de forma bem mais coerente com princípios de coesão educativa, socialização e igualdade de oportunidades.

Na verdade, a principal dificuldade parece estar no encontrar de um ponto de equilíbrio razoável entre os dois índices, dado que perante a tendencial correlação negativa entre a sobrevivência escolar e as classificações finais de exame, importará necessariamente estabelecer os limites de uma margem de tolerância aceitável. Uma solução a explorar é a que resulta da combinatória ‘pse-resultados de exame’ pelo critério média aritmética simples ou média ponderada. A opção pelo primeiro critério traduz uma situação de igual ponderação para ambas as variáveis; a opção pela média ponderada permite acentuar a relevância de uma delas em detrimento da outra, podendo essa ponderação flutuar em função dos níveis de ensino, do segmento formativo ou de qualquer outra dimensão que se pretenda fazer relevar. Assim, por exemplo, se se considerar que ao nível da educação escolar básica o objectivo da universalização da frequência escolar é bem mais relevante do que a prestação dos alunos em exame, então o peso da variável ‘pse’ para o apuramento final do resultado deverá ser superior ao peso da variável ‘classificação do exame’.

No gráfico 4 projectam-se as duas opções, média aritmética simples e média ponderada, atribuindo-se no caso da segunda um coeficiente de ponderação de 0.70 ao índice ‘pse’ e de 0.30 ao índice ‘cex’. 

Gráfico 4

O desempenho escolar centrado na combinatória ‘pse-cex

 Também neste indicador a ESRSIE consegue melhor pontuação que as demais escolas limítrofes. Tratando-se de um contexto de 3º ciclo do básico, o desiderato de uma escolarização universalmente sucedida suporta-se em acções estratégicas de igualização de oportunidades, de inclusão e coesão educativas, de solidariedade, cooperação e apoio na acção, ou seja, em medidas e acções concretas que fazem da sobrevivência e integração plenas as suas preocupações e desafios escolares maiores.

 Nota final

O lançamento da experiência ‘TurmaMais’ e todo o trabalho de sensibilização, motivação e envolvimento de professores e outros actores educativos que lhe está subjacente, ‘mexeu’ com a escola, levando ao mergulhar no seu seio e à emergência de espaços e tempos de problematização, pensamento e análise crítica sobre o trabalho escolar realizado, opções a tomar e modos de concretização. Estes momentos de exercício crítico, consubstanciados em situações de análise e discussão das situações escolares e equacionamento de soluções contextualizadas, mas também no redesenho e reorganização de estruturas e grupos, produziram novas lógicas de orientação e novas apropriações organizacionais, direccionamentos e modos de agir na escola, fazendo da melhoria dos resultados escolares, traduzidos no desafio de conseguir o pleno em termos de inclusão escolar e no crescimento da qualidade dos resultados, o seu objectivo nuclear.

Na base deste desafio emerge uma escola norteada por um ideário de serviço público, cuja afirmação e aprofundamento dependerá da qualidade do serviço de educação prestado à comunidade, designadamente, em termos de igualdade de oportunidades e justiça educativa, do apoio socioeducativo e tutorial efectivado, das realizações escolares efectivamente conseguidas e dos incrementos de melhoria e progresso alcançados nos resultados escolares e na inclusão dos seus alunos.

No quadro de uma teoria organizacional da escola, a permanente dinâmica gerada em torno do projecto ‘TurmaMais’ e os desafios que lançou face a preferências, objectivos e resultados, tecnologia e envolvimento vinculatório de actores, rompeu com algumas das características que as metáforas da ambiguidade e da anarquia organizada tendem a descrever da escola enquanto organização.

Passados alguns anos sobre o lançamento da experiência, podemos com alguma segurança afirmar que a inquietação de ‘uma constelação de professores-profissionais’ face aos resultados escolares e o mergulho em que se lançaram na análise das preferências, discussão e debate de objectivos e metas tornou estes objectivos e metas mais consistentes e menos ambíguos, mais claros e bem definidos, dando sentido a um caminho inspirado num conjunto de ideias (para a escola) agregadas e interligadas.

Em jeito de recomendação, cabe agora à ESRSIE e às equipas docentes envolvidas no projecto, em colaboração com outras estruturas de orientação e aconselhamento escolar, dar continuidade ao trabalho construído por forma a que os alunos continuem, após o 3º ciclo, os seus percursos educativos e formativos nas redes e modalidades de qualificação que os seus interesses, capacidades e expectativas aconselhem. E esse terá que ser necessariamente o passo seguinte; de outro modo, restará a estranha sensação que depois de um longo e aturado trabalho em prol da melhoria da qualidade educativa, mas também e consequentemente do aprofundamento da democracia educativa e social, alguma coisa ficou por realizar e aquém de um objectivo igualmente essencial e porventura de um desafio ainda de maior alcance.


[1]             Adaptado de Verdasca, J. (2008), ‘TurmaMais’, uma tecnologia organizacional para a promoção do sucesso escolar. In: M. Villaverde Cabral (org.), Conferência Internacional ‘Sucesso-Insucesso, Escola, Economia, Sociedade’. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 139-176.

[2]             Ver, a este propósito, Verdasca, J. (2002). Desempenho Escolar, Dinâmicas de Evolução e Elementos Configuracionais Estruturantes. Évora: Universidade de Évora (dissertação de doutoramento).