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A biblioteca escolar e o desenvolvimento da literacia da informação – uma experiência de formação assente no trabalho colaborativo

Artur Dagge
Agrupamento de Escolas D. Miguel de Almeida, Abrantes

A formação contínua em Portugal

Decorridas quase duas décadas após a publicação do Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores (Dec-Lei 249/92, de 9 de Novembro), vários estudos realizados em Portugal têm demonstrado repetidamente que, na esmagadora maioria dos casos, a formação contínua de docentes pouco ou nenhuns efeitos duradouros teve no seu desenvolvimento profissional e, ainda menos, nas aprendizagens dos alunos. É o caso, por exemplo, dos trabalhos de Silva (1997), “Os directores dos Centros de Formação de Associação de Escolas: a pessoa e a organização”, de Correia, Caramelo e Vaz (1998), “Formação de professores”, de Canário (1998), “Desenvolvimento de Bibliotecas Escolares e Formação Contínua de Professores”, de Ruela (1999), “CFAE: processos de construção e natureza da oferta formativa”, de Barroso e Canário (1999), “CFAE: das expectativas às realidades”, de Estrela (1999), “Avaliação da formação de professores: algumas notas críticas”, de Roldão, Costa, Reis, Camacho, Luís & Duarte (2000), “Avaliação do Impacto da Formação: um estudo dos centros de formação da Lezíria e Médio Tejo” ou de Estrela, Eliseu & Amaral (2007), “Formação Contínua de Professores em Portugal: o estado da investigação”. As principais lacunas apontadas nesses estudos à formação contínua de professores desenvolvida pelos CFAE em Portugal podem ser agrupadas em três categorias, a saber: oferta de formação, necessidades de formação e efeitos da formação.

Assim, no que diz respeito à oferta de formação, as conclusões dos estudos salientam a organização dos planos de formação dos centros “em função das disponibilidades que têm e dos constrangimentos impostos pelos organismos responsáveis pela formação contínua de professores” (Barroso e Canário, 1999: 151), sendo evidente a sua “dependência relativamente às instâncias estatais que asseguram a gestão financeira da formação e a acreditação das acções de formação, bem como a sua dependência relativamente às pressões dos professores carentes de créditos para a progressão na carreira e relativamente aos formadores que estruturam a oferta de formação” (Correia, Caramelo e Vaz, 1998: 120), daí resultando planos de formação que se esgotam “na realização de cada acção formal” (Silva, 1997: 302).

Quanto às necessidades de formação, Barroso e Canário (idem) referem que “os directores dos Centros se sentiram “obrigados” a desenvolverem processos de consulta aos professores sobre as suas “necessidades de formação” [mas] foram poucos os que realizaram uma reflexão crítica que pusesse em causa os fundamentos deste processo de construção de uma oferta de formação”, acentuando o “carácter difuso com que essas necessidades são percepcionadas” (Roldão et al., 2000: 135), daí que a política de formação dos centros tenha resultado “mais das iniciativas pessoais dos directores do que das propostas provenientes das escolas associadas e articuladas com os seus projectos educativos” (Ruela, 1999: 248).

Finalmente, relativamente aos efeitos da formação, “a inexistência de repercussões nas práticas dos professores” de acordo com a caracterização da formação contínua em Portugal feita em 1990 pelo Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação (Ruela, idem: 20) é confirmada por estudos posteriores, designadamente quando é referido que “a ineficácia da formação aparece, assim, associada ao seu processo de construção” (Barroso e Canário, idem: 25), ficando claro que os impactos da formação contínua são “na maioria dos casos confinados ao foro individual e não traduzíveis em melhorias reais da prática docente e da qualidade das escolas” (Roldão et al., idem: 137).

Resumindo, na formação contínua em Portugal tem predominado “uma concepção instrumental, cumulativa, consumista e escolarizada” (Barroso e Canário, idem: 156) que perpassa os vários intervenientes do sistema educativo, desde os responsáveis da tutela, passando pelos órgãos de gestão das escolas e os directores dos centros de formação e acabando nos professores em geral. A concordarmos “com aqueles autores que consideram que a preparação da avaliação é um indicador da qualidade da formação” (Estrela, 1999: 202), a própria avaliação que é feita da formação, limitada nos instrumentos, nos objectos, nas intenções e nos referenciais e, por isso mesmo, na validade, parece confirmar a pouca qualidade que a caracteriza.

Paradoxalmente, já em 1998, no estudo intitulado “Desenvolvimento de bibliotecas escolares e formação contínua de professores”, feito por Canário por encomenda do Gabinete Coordenador da Rede de Bibliotecas Escolares, o autor defende claramente que é uma condição básica de sucesso do desenvolvimento de uma rede de bibliotecas escolares “a inserção social e organizacional da formação” (Canário, 1998: 44), o que pressupõe que sejam seguidas três orientações fundamentais: “a primeira corresponde a centrar a formação na escola; a segunda a articular a formação com a experiência; a terceira a articular as dimensões individual e colectiva da formação” (idem: 21).

Assim, no projecto de formação de que aqui se dá conta, assumiu-se a investigação colaborativa como estratégia de formação, o que pressupôs, à partida, atender a estes três princípios enunciados por Canário: a formação esteve centrada na escola pois o projecto visava intervir em situações problemáticas concretas em cada escola/ biblioteca escolar no sentido de as ultrapassar; a articulação entre a formação e a experiência resultou da reflexão feita pelos participantes sobre e a partir da acção e da ligação da teoria com a prática; a articulação das dimensões individual e colectiva da formação foi assegurada pela existência no projecto de momentos de intervenção individual (de observação, de reflexão e de aplicação), a par com momentos de intervenção em grupo (de reflexão, de planificação, de sistematização e de observação).

A formação contínua na área das bibliotecas escolares

Até ao ano lectivo de 2005/06, a formação contínua de docentes na área das bibliotecas escolares centrou-se preferencialmente nas questões relacionadas com a sua organização e gestão. A partir desse ano, a formação passou a ser definida pela Rede de Bibliotecas Escolares de forma centralizada, partindo da formação de formadores e por estes difundida através dos Centros de Formação de Associação de Escolas.

Assim, em 2006 e 2007, as bibliotecas escolares foram consideradas uma das áreas prioritárias na formação contínua de professores e, como tal, objecto de financiamento por parte dos fundos comunitários através do PRODEP III, tendo os CFAE tido oportunidade de desenvolver um vasto leque de acções nas várias modalidades: cursos, oficinas, círculos de estudos, estágios. A organização do processo de acreditação das acções coube, individualmente, a cada um dos centros de formação mas teve necessariamente de respeitar a o modelo organizativo definido pela Rede de Bibliotecas Escolares a nível dos objectivos, conteúdos, metodologias e destinatários. Tratou-se, pois, de um processo centralizado que, no essencial, não alterou os pressupostos que têm presidido à formação contínua de professores em Portugal, funcionando como um catálogo de acções que os centros de formação puderam seleccionar da oferta disponibilizada pela RBE e que, por sua vez, era disponibilizada aos professores de acordo com os seus interesses, disponibilidade e necessidades do momento, sem que, em muitos casos, as reais necessidades das escolas fossem tidas em consideração.

Apesar de terem sido previstas modalidades de formação mais centradas nas escolas, como os círculos de estudos e os estágios, a verdade é que mesmo nestas modalidades terá predominado o modelo de formação centrado nas aquisições que colocava a ênfase na figura do formador e na transmissão de conhecimentos. A construção padronizada de documentos relacionados com a organização, a gestão e a dinamização das bibliotecas escolares (regulamentos, manuais de procedimentos, planos de actividades) não resultaram, em muitos casos, de necessidades reais, mitigando, por isso, os seus efeitos no desempenho das bibliotecas, em especial no aumento das suas capacidades de desenvolvimento das literacias. Poder-se-á dizer, com um razoável grau de certeza, que, quer formadores, quer formandos, procuraram, no essencial, transmitir e conseguir uma “receita”, respectivamente, de acordo com o “diagnóstico” feito pela RBE.

A formação de docentes assente na investigação colaborativa

As mais-valias resultantes da passagem de um modelo de formação centrado nas aquisições, que tem caracterizado quer a formação inicial, quer a formação contínua em Portugal, para um modelo centrado na investigação têm sido salientadas por diversos investigadores, designadamente Rodrigues (1999; 2001), Moreira (2001), Alarcão (2001), Esteves (2002), Ponte (2002), Oliveira e Serrazina (2002) e Caetano (2003), as quais podem ser sintetizadas na consecução de dois objectivos essenciais: desenvolver uma atitude investigativa nos docentes e compreender e melhorar o seu local de trabalho e as suas práticas.

O trabalho investigativo colaborativo, que se concretiza quer a nível da prática, quer da investigação da própria prática, porque envolve os professores na tomada de decisões, assume-se como um recurso do seu desenvolvimento profissional na medida em que, por um lado, “permite desenvolver a sua competência e a sua profissionalidade em contacto com os seus pares em local de trabalho” (Veiga Simão, Caetano e Freire, 2007: 68), por outro lado, promove a construção da sua autonomia e emancipação tendo em vista a auto-regulação das suas práticas. Ainda que para alguns autores não seja consensual a distinção entre colaboração e cooperação, chegando a ser usadas de forma indistinta por serem entendidas como sinónimas (Hiltz, 1998; Johnson & Johnson, 2001), neste projecto de formação assumiu-se a diferença entre os dois conceitos, com base nos pressupostos definidos por Day (1999), que aponta como características específicas da colaboração a negociação, a tomada conjunta de decisões, a comunicação e aprendizagem mútuas:

[collaboration] involves joint-decision making, requires time, careful negotiation, trust and effective communication – both parties are learners in an enterprise which focuses upon enhancing professional dialogue. In [cooperation], role boundaries and power relationships are unquestioned and maintained, and there is little mutual learning… (186).

A formação para o desenvolvimento de competências de LI

O projecto de formação para o desenvolvimento de competências de Literacia da Informação foi organizado em duas fases, tendo a primeira ocorrido entre Setembro de 2009 e Setembro de 2010 e a segunda entre Outubro de 2010 e Julho de 2011. A primeira fase envolveu a formação de professores bibliotecários, através da organização de um círculo de estudos, e a segunda teve a ver com formação de docentes, através da organização de oficinas de formação cujos formadores foram precisamente os professores bibliotecários que concluíram o círculo de estudos com sucesso.

1ª FASE - A investigação colaborativa na Biblioteca Escolar: um projecto de formação de professores

               bibliotecários

1ª Etapa (Agosto/Setembro 2009) 

Nesta etapa, fez-se (1) a acreditação do Círculo de Estudos junto do Conselho Científico Pedagógico da Formação Contínua, através do Centro de Formação da Associação de Escolas e Agrupamentos da A23, (2) a divulgação do projecto de formação junto das escolas e, finalmente, (3) a constituição do grupo de participantes no Círculo de Estudos.

A constituição do grupo de participantes no Círculo de Estudos foi concluída até ao final do mês de Setembro de 2009, depois de divulgado em todas as escolas pertencentes ao Centro de Formação da A23, tendo sido aceites todas as 17 inscrições feitas.

Com o decorrer da acção, o grupo foi progressivamente ficando mais pequeno, fruto das desistências que se verificaram, as quais aconteceram em momentos bastante específicos, das quais se dará conta mais à frente.

2ª etapa - 1ª fase (Outubro 2009)

Nesta fase, foi aplicado um “guião para a reflexão” centrado em quatro palavras-chave – colaboração; investigação-acção; reflexão; literacias -, a que cada dos participantes respondeu individualmente entre a 1ª e a 2ª sessões. A análise dos dados recolhidos nas reflexões de cada um dos professores bibliotecários e a sua devolução ao grupo para discussão e análise serviu para que todos constatassem a necessidade de aprofundar os seus conhecimentos sobre cada um dos conceitos-chave deste Círculo de Estudos.

2ª etapa - 2ª fase (Outubro 2009/Setembro 2010)

Nesta fase, realizaram-se as 12 sessões de formação previstas, cuja duração, horário, local e calendarização foram sempre definidos pelo grupo em cada sessão.

Também por decisão do grupo, foi definido que cada sessão teria lugar na biblioteca da escola de cada um dos participantes, sendo que o “anfitrião” ficaria responsável pela 1ª versão da síntese dessa mesma sessão de formação, a qual seria completada com os contributos dos restantes elementos. Decidiu-se, então, criar uma disciplina na plataforma Moodle, com o intuito de promover a partilha de materiais e o trabalho colaborativo. A síntese de cada sessão serviu como estratégia de reflexão sobre o trabalho já realizado, as pesquisas que era necessário fazer e o trabalho que se perspectivava para o futuro.

A redução do grupo inicial de 15 participantes para os 9 actuais foi gradual e aconteceu em momentos específicos do funcionamento do Círculo de Estudos, a saber:

  • duas desistências no final da 1ª sessão (Outubro de 2009), o que deixa perceber que a acção de formação, apesar da ampla divulgação que mereceu, designadamente no que diz respeito aos seus objectivos e metodologia, não correspondia às expectativas dos professores bibliotecários em questão;

  • três desistências antes da apresentação dos projectos de intervenção (Janeiro de 2010), o que indica que esses professores bibliotecários não encontraram condições nas respectivas escolas para poderem desenvolver projectos colaborativos de desenvolvimento das literacias;

  • duas desistências antes da apresentação dos resultados dos projectos de intervenção (Abril de 2010), resultante da não concretização dos projecto de intervenção que tinha sido definido.

A avaliação, por ser uma questão sempre sensível para os docentes, levantou alguma discussão entre os participantes mas acabou por ser consensual a decisão de partilhar a avaliação por todos, sendo que todos os formandos avaliaram todos os participantes nos itens relativos à (i) Assiduidade, (ii) participação, (iii) cumprimento das tarefas e (iv) diagnóstico, planificação, implementação e avaliação do projecto de intervenção, tendo ficado a avaliação do relatório crítico de cada formando a cargo do formador.

 

Desenvolvimento do círculo de estudo

O Círculo de Estudos iniciou-se com uma abordagem aos conceitos-chave que o enformam - investigação-acção, colaboração, reflexão e literacias -, através da realização de uma actividade de brainstorming que levou os participantes a uma primeira reflexão conjunta e à constituição de 4 grupos de trabalho com o objectivo de partilharem as suas leituras

A discussão dessas leituras por parte dos participantes permitiu que estes fizessem uma primeira abordagem aos princípios, objectivos, metodologias, possibilidades, constrangimentos e limites da investigação-acção. Nesta fase, houve ainda lugar à exploração do conceito de colaboração e das várias visões que a literatura tem sobre o mesmo, sendo este um aspecto de grande relevância no Círculo de Estudos na medida em que o trabalho colaborativo assumia uma dupla vertente: a colaboração entre os participantes no Círculo de Estudos e o trabalho colaborativo que os projectos de intervenção dos professores bibliotecários deveriam conseguir nas suas escolas. A análise e discussão do trabalho de Adelina Freire “Biblioteca Escolar e Sala de Aula. Intersecção de duas realidades através do trabalho colaborativo: Estudo numa escola secundária” permitiu clarificar aspectos importantes relativos à colaboração, nomeadamente no que diz respeito aos vários graus em que esta pode ocorrer entre a biblioteca escolar e os professores, sendo a mais conseguida aquele em que existe co-planificação, co-execução e co-avaliação de sequências de ensino colaborativo.

A fase seguinte implicou a leitura, discussão e resumo de alguns textos relacionados com as várias literacias, daí resultando a definição por parte de cada um dos participantes de uma área de intervenção no âmbito das literacias, de que resultaram seis projectos de intervenção relacionados com a literacia da informação, um projecto de intervenção na área da literacia crítica e um projecto de intervenção no domínio da literacia da leitura.

Uma vez que alguns dos participantes possuíam já uma experiência de trabalho significativa com o modelo de literacia PLUS, acabaram por dinamizar algumas sessões de formação, em que deram a conhecer o referido modelo, a sua aplicação no campo da pesquisa, selecção e tratamento da informação, assim como um vasto conjunto de materiais de apoio destinados aos alunos. Estes professores acabaram por assumir o papel de consultores/especialistas para os projectos de intervenção no âmbito da literacia da informação.

A fase seguinte envolveu a planificação dos projectos de intervenção de cada um dos professores bibliotecários. Os projectos de intervenção, assim como os registos da sua execução e materiais de apoio, foram colocados na plataforma do Círculo de Estudos e foi criado um fórum de discussão que envolveu os participantes com comentários, críticas e sugestões.

Os projectos de intervenção tiveram todos em comum o trabalho colaborativo entre o professor bibliotecário e professores da sala de aula, tendo sido desenvolvidos entre Janeiro e Maio de 2010.

A avaliação que foi sendo feita dos vários projectos de intervenção e das reformulações que os mesmos foram sofrendo levou os professores bibliotecários participantes a concluírem que havia necessidade de envolver um número mais significativo de professores (e alunos, naturalmente) no trabalho colaborativo com a biblioteca escolar. Foi igualmente constatado que havia necessidade de determinar como os professores avaliavam as competências de literacia da informação dos alunos, procurando desta forma justificar a pertinência de uma intervenção mais activa por parte da biblioteca escolar. Nesse sentido, foi elaborado um questionário dirigido aos docentes e aplicado em todas as escolas dos professores bibliotecários participantes, através do qual se procurou saber: (i) como avaliavam as competências de literacia da informação dos seus alunos; (ii) se o ensino de competências em informação devia ser um objectivo da escola; (iii) de que forma é que a biblioteca escolar poderia ajudar a desenvolver as competências de literacia da informação dos alunos. Os dados foram, em primeiro lugar, tratados individualmente por cada um dos professores bibliotecários e dados a conhecer junto das respectivas escolas e, em segundo lugar, objecto de análise global. Simultaneamente, foram definidos padrões de literacia de informação para os alunos e que estiveram na base do trabalho desenvolvido no ano lectivo seguinte por parte dos professores bibliotecários nas suas escolas.

2ª FASE – O ensino da Literacia da Informação a partir da Biblioteca Escolar

 Sendo obviamente impossível o professor bibliotecário desenvolver trabalho colaborativo de forma individual com todos os professores da escola, a opção feita tendo em vista maximizar a sua actuação foi criar uma oficina de formação destinada a professores das áreas curriculares não disciplinares, preferencialmente Área de Projecto, que teve lugar no ano lectivo de 2010/2011 em cinco escolas cujos professores bibliotecários participaram no Círculo de Estudos, na qual estes desempenharam o papel de formadores. Assim, foi submetido à aprovação do Conselho Científico Pedagógico da Formação Contínua, através do Centro de Formação da A23, o formulário de acreditação da acção “O ensino da literacia da informação a partir da biblioteca escolar”. O objectivo desta acção de formação foi intervir à escala da organização escolar, dando resposta a uma necessidade de formação no âmbito da literacia da informação que os docentes identificam nos seus alunos, procurando no trabalho colaborativo com a biblioteca escolar as melhores respostas para as dificuldades que os alunos revelam a lidar com a informação nos mais variados suportes.

Estiveram envolvidos nesta acção de formação cerca de 100 professores dos 2º e 3º ciclos e ensino secundário, tendo sido desenvolvidas as seguintes actividades:

  • Avaliação das competências de Literacia da Informação dos alunos no início e no final do ano lectivo a partir de testes construídos em cada uma das acções;

  • Definição de padrões de Literacia da Informação para cada uma das escolas envolvidas;

  • Criação, aplicação e avaliação de guiões de pesquisa de informação a partir do modelo de literacia PLUS;

  • Implementação de projectos de pesquisa de informação por parte de cada participantes em colaboração com o professor bibliotecário envolvendo pelo menos uma das turmas que leccionava;

  • Tratamento estatístico dos dados resultantes da aplicação dos testes de LI e posterior divulgação junto dos respectivos conselhos pedagógicos;

  • Definição de um modelo de LI a ser apresentado e aprovado em cada escola envolvida.

ALGUMAS conclusões

Concluído este projecto de formação iniciado em Setembro de 2009 e concluído em Julho de 2011, algumas conclusões podem desde já ser apontadas.

Uma primeira conclusão tem a ver com a frequência do Círculo de Estudos, sendo que ao fim de 12 sessões de formação a taxa de desistência situou-se próxima dos 50%, correspondendo a 7 professores bibliotecários. O facto de as desistências terem ocorrido em três fases distintas – no início do Círculo de Estudos, aquando da apresentação dos projectos de intervenção e antes da apresentação dos resultados atingidos – leva-nos a concluir que, nas escolas em causa, por um lado, os professores bibliotecários entenderam que não estavam reunidas as condições para que o trabalho colaborativo desenvolvido a partir da biblioteca escolar pudesse ser concretizado. Por outro lado, os professores bibliotecários desistentes estavam colocados em escolas de pequena dimensão (menos de 500 alunos), não se tendo verificado qualquer desistência de participantes colocados em escolas de maiores dimensões. A questão da disponibilidade de tempo não foi tida em conta quanto à taxa de desistência, uma vez que a calendarização das sessões de formação foi sempre definida pelos participantes.

Uma segunda conclusão que pode ser avançada relaciona-se com as concepções dos professores relativamente, por um lado, ao trabalho colaborativo e, por outro lado, ao papel da biblioteca escolar no desenvolvimento das literacias.

No que diz respeito ao trabalho colaborativo, a concepção que os docentes tinham inicialmente foi-se alterando com o decorrer da acção no sentido em que foi sendo ultrapassada a associação directa entre partilha e colaboração, isto é, os docentes justificavam o trabalho colaborativo que afirmavam praticar com regularidade com base na simples partilha de materiais ou na participação conjunta em actividades desenvolvidas com os alunos. Com base nas leituras feitas e nos debates no seio do grupo, os docentes passaram a defender a concepção de colaboração com base no trinómio co-planificação, co-execução e co-avaliação. Esta foi, de resto, a concepção que procuraram aplicar nos seus projectos de intervenção.

Quanto ao papel da biblioteca escolar no desenvolvimento das literacias, não ficaram dúvidas de que a generalidade dos participantes reconheceu que o professor bibliotecário tem especiais responsabilidades na implementação de um plano de desenvolvimento das literacias em cada escola e que lhe compete, de alguma forma, assumir a liderança em todo esse processo.

A terceira conclusão aponta para os resultados positivos alcançados junto dos alunos quer a nível da pesquisa, tratamento e organização da informação, quer sobretudo nas questões éticas relacionadas com os direitos de autor, que resultaram da aplicação de um modelo de pesquisa da informação de forma organizada, orientada e sistemática, em colaboração com a biblioteca escolar.

Uma quarta conclusão tem a ver com o nível de responsabilização de cada docente no seu percurso de formação à medida que a acção foi decorrendo. Poder-se-á afirmar com alguma certeza que, uma vez diluído o papel do formador, todos os docentes assumiram a sua quota-parte de responsabilidade no sucesso da acção de formação. Assim, cada um dos participantes assumiu algum protagonismo de acordo com o conhecimento que tinha dos vários conteúdos abordados ou a experiência que detinha.

Finalmente, uma última conclusão que pode ser adiantada aponta para a validade que os docentes reconheceram neste processo formativo, claramente distinto de quaisquer outras acções de formação em que já tinham participado. Reconheceram, contudo, que é uma estratégia de formação que exige uma grande disponibilidade, nomeadamente de tempo, e um grande investimento pessoal na sua própria formação.

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