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Diversidade, Multiculturalidade e Interculturalidade: que dificuldades? Como contrariá-las?

Hermenegildo Correia
Escola Superior de Educação de Portalegre

Neste artigo pretende-se abordar algumas dificuldades colocadas pela diversidade (social, cultural, étnica) dos alunos na escola básica e algumas estratégias para as contrariar. O artigo está estruturado em três pontos. No primeiro, clarificam-se os conceitos de diversidade, multiculturalidade e interculturalidade. No segundo, abordam-se as dificuldades na gestão da diversidade na escola básica, ilustrando-as com a relação negativa escola-ciganos. No terceiro ponto, a partir do livro Histórias do Povo Cigano (DEB, 2001), abordam-se algumas estratégias que poderão contribuir para contrariar aquelas dificuldades.

1.    Diversidade, Multiculturalidade, Interculturalidade

A diversidade tem sido encarada nos termos seguintes:

(…) constatação da presença de várias culturas num determinado meio e a procura da compreensão das suas especificidades (Cortesão, L. e Pacheco, N. citadas in CARREIRAS, 2002:16)

(…) nos espaços educativos está-se de alguma forma sempre entre culturas: diferentes saberes, sistemas de valores, sistemas de representações e de interpretações da realidade, hábitos, formas de agir (…) (Vieira, R. citado in NOGUEIRA, 2002:20)

(…) a escola portuguesa afigura-se-nos eminentemente multicultural, se considerarmos as diferentes culturas de origem em presença, no aspeto etno-linguístico-cultural, mas também noutros aspetos, se numa perspetiva mais lata e correta, incluirmos na multiculturalidade as diferenças culturais resultantes das diferenças regionais e até sociais (AMARO e SOUTA, 1995:4).

Destas definições decorre que o conceito de diversidade envolve várias dimensões: psicossocial (segunda definição), cultural (todas as definições), linguística, étnica, social (terceira definição). Entendida neste sentido, podemos afirmar que a diversidade sempre existiu na escola básica portuguesa (o que é novo na atualidade, nomeadamente com a presença de filhos de imigrantes, por exemplo, é a acentuação desta diversidade). 

Os conceitos de multiculturalidade e de interculturalidade são, muitas vezes, utilizados indistintamente (PINTO, 1998:19). Mas, de acordo com este autor, existem diferenças:

(…) a tradição anglo-saxónica (Inglaterra, USA) parece preferir a designação multicultural para referir a procura da compreensão das especificidades de diferentes culturas em presença no meio escolar, enquanto os estudos europeus (continentais), sob influência dos trabalhos desenvolvidos pelo Conselho da Europa, preferem falar de intercultural, apontando para o conhecimento, reconhecimento e enriquecimento mútuo das culturas em presença  (PINTO, 1998:19). O conceito de interculturalidade, que subscrevemos, aponta portanto, para uma interação e influência recíproca entre as culturas; enquanto o conceito de multiculturalidade parece centrar as suas preocupações no conhecimento do outro, sem que isso influencie o seu eu (PINTO, 1998:19).

2.    Dificuldades na gestão da diversidade: o caso dos ciganos

A gestão da diversidade nas escolas básicas portuguesas não é fácil, conforme o atestam as relações recíprocas escola/professores-ciganos. Um Relatório da Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura do parlamento português (2009), referia que no ano letivo de 2003/2004, dos 8324 portugueses ciganos matriculados no ensino básico, 86,7% estavam no 1º ciclo. No ensino secundário, as matrículas de jovens ciganos, apresentavam um peso residual (citado in PEREIRA, 2012:24). Neste relatório referia-se, com base na audição de vários especialistas, o elevado abandono e irregular frequência escolar das crianças ciganas (citado in SANCHES, 2012).

Em Dezembro de 2001, o Departamento de Educação Básica do Ministério da Educação editou um livro intitulado Histórias do Povo Cigano. Sugestões de Atividades para o Ensino Básico. Um livro em que, como é sugerido no título, é proposto às escolas e aos professores, integrarem a cultura dos ciganos no desenvolvimento curricular (numa perspetiva intercultural). Sugere-se portanto, que uma das razões da relação negativa escola-ciganos é a não incorporação, nas práticas pedagógicas dos docentes e das escolas, da realidade (cultural, social, económica) deste grupo. No ponto seguinte, são apresentadas e comentadas algumas sugestões de atividades deste livro.

3.     Estratégias promotoras da Interculturalidade

Com efeito, o livro acima referido propõe às escolas e aos professores (e também às famílias, ciganas e não ciganas) um conjunto de sugestões que poderão contribuir para aproximar cultura da escola e cultura cigana, crianças ciganas e crianças não ciganas e famílias ciganas e famílias não ciganas. A título de exemplo, refiram-se as sugestões de atividades seguintes:

- Recolha de testemunhos/histórias de familiares ciganos (p. 8);

- Realização de um debate sobre as vantagens e desvantagens de frequentar a escola (p.12);

- Construção de um glossário em Caló e Português (p.16);

-  Um dia com… Convite a um menino cigano para ir passar um dia com um não cigano e vice-versa (p.24);

- Convite a um cigano para vir à turma falar sobre o namoro e o casamento (p.28).

Estas sugestões – no livro referido constam ainda muitas outras – podem contribuir para promover a interculturalidade, na medida em que pressupõem:

- uma articulação mais interativa entre a escola e as famílias (ciganas e não ciganas);

- a interação entre as crianças ciganas e as crianças não ciganas;

- a interação entre as famílias ciganas e as famílias não ciganas;

- a pesquisa das tradições culturais ciganas e das tradições culturais não ciganas;

- o desenvolvimento de valores, tais como o da participação e o da diversidade;

- o reconhecimento e a valorização da cultura cigana.

É preciso, no entanto, ter presente (e ultrapassar) várias dificuldades:

- no âmbito da relação escola/famílias (ciganas e não ciganas);

- resultantes da cultura da escola e dos professores, que poderão traduzir-se no entendimento da cultura cigana, e de outras culturas, em termos de deficit;

- relacionadas com as famílias não ciganas, que podem não estar interessadas nas interações dos seus filhos com as crianças ciganas;

- relacionadas com as famílias ciganas, que podem também não estar interessadas nas interações dos seus filhos com as crianças não ciganas e até mesmo em não estar interessadas em divulgar as suas tradições culturais.

Em conclusão, estamos perante sugestões com muito potencial em termos de promoção da interculturalidade, mas de muito difícil concretização, caso não predomine nas escolas que as desejem pôr em prática, uma cultura de colaboração entre todos (professores, assistentes operacionais, crianças, famílias, comunidade).

Bibliografia:

AMARO, Álvaro e SOUTA, Luis (coordº.): Multiculturalidade e Educação. In Educação e Ensino. 1995. 10, pp. 4-5.

CARREIRAS, Helena: A multiculturalidade. In Cadernos de Educação de Infância. 2002. 62, pp.16-17.

Comissão Parlamentar de Ética, Sociedade e Cultura (2009). Relatório das audições efetuadas sobre portugueses ciganos no âmbito do Ano Europeu para o Diálogo Intercultural. Lisboa: Assembleia da República.

Departamento de Educação Básica (2001). Histórias do Povo Cigano. Sugestões de Atividades para o Ensino Básico. Lisboa:ME/DEB.

NOGUEIRA, Susana: Educação intercultural – da criança a uma pedagogia de troca e partilha de experiências. In Cadernos de Educação de Infância. 2002. 62, pp. 20-21.

PEREIRA, Ana Cristina: Uma estratégia nacional sobre comunidades desconhecidas. In Público, 15 de Janeiro de 2012, p. 24.

SANCHES, Andreia: Governo quer 60% das crianças ciganas tenham o 6º ano. In Público, 29 de Dezembro de 2011.