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Editorial

Educar Sempre

A Minha Escola

Crónicas de Aprender

- Entrevista -

 

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Conversando com Gonçalo Viegas, Presidente do Conselho Geral da ESSL

Luísa Moreira
CEFOPNA

Gonçalo Viegas é o presidente do Conselho Geral de uma das escolas Secundárias do concelho de Portalegre, a São Lourenço. Com experiência na organização e gestão de recursos educativos, quisemos ouvir o que pensa sobre a Escola de Hoje.

Profforma – A organização das escolas, no que diz respeito a aspetos administrativos e pedagógicos, é um processo que tende a facilitar o processo de ensino e aprendizagem?

Qualquer empresa ou instituição bem organizada concretiza mais facilmente os seus objectivos (produtividade, lucro…). As escolas, apesar de possuírem características que as diferenciam das empresas, se funcionarem bem e se tiverem uma adequação da organização escolar e das práticas pedagógicas às características dos seus alunos verão facilitado o processo de ensino e aprendizagem. Quando a organização é bem sucedida na satisfação das necessidades dos seus membros, todos beneficiam.

Profforma – No decorrer do século XXI, com toda o inegável desenvolvimento das tecnologias, têm sido exigidas à escola, e aos professores, muitas mudanças de prática pedagógica. Considera que a Escola tem sido capaz de acompanhar a mudança social?

É sabido que o universo social em que a escola vive e actua mudou radicalmente. A escola é uma instituição que faz parte de uma sociedade em permanente mudança. Sendo a escola, por natureza uma instituição com funções de passagem cultural e socialização, se calhar, é inevitável que os ritmos de mudança não sejam nunca os mais adequados às necessidades sociais do momento.

A escola foi durante anos um espaço físico fechado e isolado da comunidade. A ela cabia ensinar a ler e a escrever, a calcular e a fornecer conhecimentos sobre o passado histórico e sobre a geografia de Portugal. Neste caso, o papel da escola e o papel dos outros agentes estavam definidos e bem separados.

O alargamento da escolaridade obrigatória, os novos desafios da educação, os avanços tecnológicos, a consideração por novas áreas, campos e necessidades educativas, as características da sociedade em que vivemos onde o desemprego, o subemprego, a mendicidade, a marginalidade, a criminalidade, o egoísmo, a segregação atingem números alarmantes, em especial nas grandes cidades, revelando-se problemas sociais de difícil resolução, levaram que à escola e aos professores fossem atribuídas novas funções e solicitadas novas práticas e novos papéis.

Assim, aos professores, passou-se a exigir que assumam uma multiplicidade de funções (assistentes sociais, sociólogos, psicólogos, etc.), deixando muitas vezes para segundo plano a sua missão de ensinar. E para isto, a escola e os professores não estavam preparados, tendo dificuldade em se adaptar a esta nova realidade social, com a consequente perda da identidade profissional dos docentes.

Profforma – Quando se candidatou ao Conselho Geral tinha, com certeza, expetativas. Agora, que já vem desenvolvendo essas funções há mais de dois anos letivos, como encara as funções deste órgão?

As competências deste órgão, definidas em normativo legislativo, são vastas. Destas destaco a eleição e destituição do director, a aprovação das regras fundamentais de funcionamento da escola (regulamento interno), das decisões estratégicas e de planeamento (projecto educativo, plano de actividades) e o acompanhamento da sua concretização (relatório anual de actividades). É essencialmente nestas que o papel do Conselho Geral mais se tem feito sentir, não se tendo ido muito mais além na maioria dos Conselhos Gerais que conheço. A principal mudança nas suas atribuições em relação ao órgão que o antecedeu (a Assembleia) diz respeito ao poder de eleger e destituir o Director, competência que sem dúvida lhe reforçou a importância e o tornou mais apetecível.

Penso que ainda é cedo para se fazer uma avaliação exacta deste novo modelo de gestão e do funcionamento dos conselhos gerais.

Profforma – De acordo com a legislação em vigor, ao Conselho Geral cabe validar e acompanhar a ação do diretor. Considera eficaz esse acompanhamento?

Penso que na generalidade dos Conselhos Gerais não estão implantados mecanismos eficientes de acompanhamento da acção do director, até porque isso não fazia parte da rotina da vida das escolas. Parece-me, no entanto importante, que os CG sejam entendidos como um espaço de co-responsabilização do processo educativo entre os vários agentes da comunidade educativa, pois a eficácia do trabalho desenvolvido na escola resulta da congruência de esforços por todos os implicados no processo educativo.

É importante, pois, que todos os representantes interiorizem as suas responsabilidades, no sentido de assumirem que fazem parte de um órgão, que embora não implicado directamente no processo executivo, pode e deve estar atento, não funcionando como mero controlador da direcção, mas podendo ter uma posição construtiva. Se assim não for, o Conselho Geral pode acabar por funcionar como um mero órgão ratificador das decisões do Director.

Profforma – No Conselho Geral têm assento, para além dos docentes, dos representantes dos alunos, dos representantes dos funcionários e dos encarregados de educação, elementos da comunidade educativa, como a Câmara Municipal por exemplo. Considera efetivamente enriquecedora esta constituição do Conselho a que preside?

Tendo em conta a composição deste órgão colegial, parece legítimo considerar a importância em assegurar não apenas os direitos de participação dos professores, mas também a efectiva intervenção de todos os agentes implícitos no processo educativo, que mantêm um interesse legítimo na actividade e sucesso de cada escola.

Muitos estudos desenvolvidos em vários países, incluindo Portugal, têm demonstrado as vantagens duma colaboração mais estreita entre as escolas, as famílias e a respectiva comunidade. Se a função da escola é preparar para a vida, então ela deve estar ligada à comunidade. É cada vez mais importante deixarmos de ter uma escola centrada numa microsociedade, mas sim contextualizada na vida real que a rodeia. A educação para todos não pode ser reduzida a uma mera questão técnica nem tornar-se restrita aos profissionais de educação. O envolvimento e o contributo das famílias e de toda a comunidade reveste-se de uma indiscutível eficácia, para o sucesso da escola inclusiva que todos desejamos e ansiamos.

Existindo no Conselho Geral representantes de diferentes grupos, poderíamos supor a existência de vários “grupos de interesse” que poderiam dificultar os trabalhos deste órgão. A minha experiência até aqui tem contrariado essa ideia, sendo justo salientar a acção concertada de todos os elementos, no sentido deste atingir os seus objectivos.

Assim, penso que a participação de diferentes “actores” neste órgão vem contribuir para a consolidação da democraticidade e autonomia da Escola e que a importância do Conselho Geral, enquanto órgão deliberativo e fiscalizador, advém-lhe também da representatividade dos respectivos corpos integrantes.

Profforma – Diz-se, por vezes, que o Conselho Geral pode, eventualmente, tornar-se num obstrutor da ação da direção da escola. Parece-lhe possível?

O Conselho Geral tem poderes para isso e talvez, por isso, e pelo facto de eleger o director, se notou a politização na apresentação de listas para este órgão, em muitos locais. A própria Associação Nacional de Municípios, numa 1ª fase pretendia que as câmaras assumissem por direito próprio, a presidência do Conselho Geral, reconhecendo a sua importância. No entanto, considero que o receio inicial de estes funcionarem como um órgão obstrutor da acção do director, não se tem verificado. Aliás, penso que para além de isso não fazer sentido, não é muito fácil de concretizar, se o Director cumprir com as exigências inerentes ao seu cargo.

Profforma – É convicção da Profforma que a Educação passa, também pela dinamização de espaços de formação, por lugares de partilha de opinião e fóruns promotores de mudança. Concorda com esta visão?

Claro que sim. Por um lado é necessário mobilizar e preparar os professores para o desenvolvimento das reformas educativas que vão sendo empreendidas. Por outro lado, a evolução tecnológica e a complexidade da sociedade actual fazem com que a formação inicial em qualquer profissão ou ocupação seja cada vez mais insuficiente para garantir um bom desempenho durante toda a vida.

Como refere Manuel Patrício, “…a curta vigência dos saberes científicos e pedagógicos, coloca hoje os professores perante um constante dilema: ou se actualizam, alargam e diversificam os saberes iniciais, ou envelhecem a um ritmo vertiginoso”.

Portanto, parece-me, que aos professores não lhes resta outra alternativa.

Profforma – Grandes teóricos da educação afirmam que o modelo de escola atual colapsou há muito. Como comenta esta ideia?

Penso que é a nossa civilização que está em crise, sendo o colapso da educação, um dos sinais mais evidentes desta. A escola não consegue dar respostas satisfatórias aos alunos que temos. Ouve-se a toda a hora dizer que os nossos alunos não estão a ser devidamente preparados para enfrentarem os desafios do presente e do futuro. Vivemos um certo mal-estar e frustração nas escolas, traduzida numa nova realidade. Não conseguimos ensinar, os alunos não conseguem e muitas vezes não querem aprender, os professores são constantemente desrespeitados e generalizam-se situações de indisciplina, ao mesmo tempo que as famílias se vão demitindo das suas funções educativas e culturais, sendo a escola e os professores responsabilizados por funções que no passado eram realizadas em família e na comunidade. Muitos professores, desmotivados, desistem da profissão, enquanto as escolas vivem num clima de intranquilidade pouco propício a educar. Ainda por cima, a presença do aluno na escola não resulta da sua vontade, mas de uma imposição social e familiar. É que contrariamente a outros profissionais, o trabalho do docente depende da colaboração do aluno, pois ninguém ensina quem não quer aprender.

Vivemos pois, um tempo de profundas inquietações em que é necessário analisar o que se passa no tempo presente, questionando a sociedade como um todo, para tentar responder à crise da escola e da nossa civilização em geral. Não se afigura, no entanto, tarefa fácil.

Profforma – Quais seriam as três medidas que, em sua opinião, e considerando o momento de crise económica que Portugal atravessa, poderiam melhorar a vida das escolas?

Desde logo desburocratizar a vida das escolas a todos os níveis, da direcção ao trabalho dos docentes. No caso concreto dos professores, as suas tarefas burocráticas têm vindo a aumentar, com evidente prejuízo das actividades lectivas e da preparação das aulas. Temos vindo a assistir a um aumento brutal da burocracia na educação, também expressa no número significativo de professores que desempenham funções em diferentes organismos que não estão directamente ligadas à docência, com evidentes aumentos da despesa pública, sem que isso se traduza em quaisquer melhorias na qualidade das aprendizagens.

Por outro lado penso que é imperioso acabar com a perspectiva de mudar as políticas educativas constantemente, nomeadamente sempre que muda a equipa ministerial De facto, há anos que as políticas educativas dos sucessivos governos têm privilegiado a mudança (a vertigem de mudar currículos, de mudar os órgãos das escolas, de criar novas disciplinas e áreas disciplinares que desaparecem tão depressa como surgiram, as práticas de avaliação, os nomes de cursos etc.), numa mudança legislativa permanente, sem ter em conta instrumentos de acompanhamento, nem práticas de avaliação dessas mesmas medidas. Era importante que houvesse um pacto de regime que pudesse dar alguma estabilidade às escolas, independentemente das mudanças políticas e ministeriais.

Penso que também seria necessário repensar o conceito de “escola a tempo inteiro”. Esta foi apresentada como uma das medidas de política educativa de maior alcance e profundidade dos últimos anos. Dizem os seus defensores que veio proporcionar as condições necessárias para que todas as crianças e não apenas algumas possam ter gratuitamente, para além das actividades curriculares, Inglês, Música, Actividade Física e Desportiva, entre outras. Penso que a escola a tempo inteiro só pode ser considerada um projecto de sucesso se assumirmos que entre nós o Estado Social falhou irremediavelmente. O conceito de escola a tempo inteiro nasce da necessidade de adaptar os tempos de permanência das crianças nos estabelecimentos de ensino às necessidades das famílias. Mas será que é aconselhável manter as crianças em espaços escolares durante todo o dia em actividades estruturadas, sob a dependência e orientação de professores? Penso que isto está errado. As necessidades de apoio às famílias são reais. No entanto, o que estamos a fazer, enquanto sociedade, é organizar o tempo das crianças de acordo com as necessidades dos pais, das empresas, do mercado de trabalho. O que deveríamos estar a fazer, pelo contrário, era organizar o tempo de todos eles em função das necessidades das crianças. Porque elas têm que aprender, é verdade, mas têm também direito a brincar, têm que ter tempo para ser criança. Penso que é de uma violência incrível pôr miúdos de 6 anos a cumprir o horário de trabalho semanal de um adulto, começando a saturá-los da escola desde muito novos.

Profforma – Imagine, (imaginar ainda não está sujeito a IVA…), que era convidado para ministro da educação. Qual seria a primeira medida a tomar?

Confesso que é preciso muita imaginação para fantasiar semelhante situação. No entanto, não querendo fugir à questão direi que para além daquilo que referi na questão anterior, deixaria cair, de imediato, aquilo que parece estar eminente na reorganização da rede escolar e que nos últimos dias parece ter tido um forte impulso em algumas regiões do país – os mega-agrupamentos.

Compreendo que uma escola com poucos alunos não seja rentável do ponto de vista financeiro, assim como percebo que não seja a solução mais aconselhável em termos pedagógicos e de socialização dessas crianças e jovens. Mas passar para uma estrutura que vai do pré-escolar ao secundário, englobando milhares de alunos, em minha opinião, apenas terá algumas vantagens economicistas, pois vão ser instituições que embora com menos custos irão ter muito mais problemas e uma direcção muitíssimo burocratizada. Assim, seguindo a ideia que expus na primeira questão colocada, isso terá reflexos negativos no processo de ensino e aprendizagem e estes são aqueles que como profissional de ensino e educação mais têm que me preocupar, parecendo-me que há aqui uma desvalorização das questões pedagógicas. Há uns meses li um artigo que falava precisamente das mega-escolas e dos seus perigos. Curiosamente, em Nova Iorque, essas escolas estão a ser desactivadas, pois o bom senso e o equilíbrio recomendam estruturas pequenas e de proximidade, dando lugar a escolas de bairro, mais pequenas e fáceis de controlar, e onde os alunos não se sintam “perdidos”. Nós, como de costume, andamos no sentido contrário.