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Os CFAE e a Formação Contínua de Professores
Algumas reflexões

Jorge Nascimento e Manuel Pina
CFAE Francisco de Holanda, Guimarães - CFAE dos concelhos de Ílhavo, Vagos e Oliveira do Bairro

Constituídos em finais de 1992, início de 1993, na sequência da publicação do Decreto-lei n.º 249/92, de 9 de novembro, os Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE) já não estão muito longe de completarem 20 anos de atividade.

Neste texto não é nosso objetivo fazer um historial rigoroso da atividade e do funcionamento dos CFAE nem, muito menos, uma análise qualitativa e quantitativa do trabalho realizado, mas tão só lançar um olhar impressivo sobre o caminho percorrido, bem como algumas pistas que sirvam de debate e de reflexão sobre o seu desenvolvimento estratégico, isto é, sobre a forma como perspetivar o futuro destas instituições de formação.

Muito se tem escrito sobre a génese dos CFAE. Desde a publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.º 46/86, de 14 de Outubro) que a formação contínua dos educadores e professores é reconhecida como um direito e um dever. Com a publicação do Estatuto da Carreira Docente, em 1990, esta torna-se obrigatória para a progressão na carreira dos educadores de infância e dos professores dos ensinos básico e secundário.

Parece ser consensual que a criação dos CFAE, num curto espaço de tempo, por agregação de escolas imposta pela tutela (não obstante estes “terem subjacente à sua constituição os princípios da territorialização, do associativismo e da autonomia pedagógica[1]), decorreu da necessidade de aproveitar fundos estruturais da Comunidade Económica Europeia para a formação de professores. Todavia, como afirma João Formosinho[2], os CFAE, em termos europeus, são organizações inéditas favoráveis à emergência de uma formação mais próxima das preocupações dos professores e das escolas, isto é, mantêm uma ligação orgânica com as escolas.

Os CFAE desenvolveram uma atividade notável desde 1993, mas estiveram praticamente inativos em 2004, período de transição do 1.º para o 2.º Quadro Comunitário de Apoio (QCA). Efetivamente, com uma estrutura reduzida (às vezes tendo com o único recurso humano a tempo inteiro o respetivo diretor), os CFAE estiveram sempre profundamente dependentes dos fluxos financeiros vindos da Europa. A mudança do 2.º para o 3.º QCA e o termo do 3.º QCA corresponderam também a períodos de asfixia financeira dos CFAE. Com o fim do QCA III e a sua substituição pelo Quadro Estratégico de Referência Nacional (QREN), os financiamentos foram sendo progressivamente reduzidos, não tendo havido lugar a qualquer financiamento em 2011.

O principal constrangimento dos CFAE tem decorrido, pois, da quase total dependência de verbas comunitárias para poderem desenvolver a sua atividade formativa. Ao contrário das escolas (e da generalidade dos organismos públicos), que dispõem de um orçamento anual de funcionamento, os CFAE têm passado largos meses – às vezes anos – sem qualquer financiamento, para além da remuneração do seu diretor, assegurando a escola-sede o pagamento das despesas correntes (eletricidade, telefone, …). Esta situação, verdadeiramente confrangedora, tem levado a grandes oscilações na oferta de formação: nalguns períodos os CFAE têm desenvolvido planos de formação coerentes e articulados, noutros têm sido quase forçados à inatividade.

Os CFAE têm tido ainda outro problema grave: não possuem recursos humanos próprios, para além da figura do diretor. Assim, há alguns CFAE a funcionar sem qualquer apoio administrativo, e a existência de assessorias técnico-pedagógica e informática depende da existência de financiamento ou da disponibilidade das escolas associadas para cederem recursos humanos aos respetivos centros de formação, na sequência do despacho 2609/09, de 20 de janeiro.

A rede de CFAE constituída em 1992/1993 manteve-se em atividade até meados de 2008, altura em que o Ministério da Educação, através do Despacho 18039/2008, de 4 de julho, procedeu a uma revisão da mesma, tendo-se passado de mais de 200 CFAE para os atuais 92.

Das diferentes competências que lhes estão legalmente cometidas, a formação contínua do pessoal docente tem constituído sempre a sua missão principal.

Alguns CFAE têm desenvolvido notável capacidade editorial, outros têm dinamizado modernos centros de recursos, outras ainda têm sabido valorizar o apoio a projetos e a criação de páginas Web próprias, mas o que as escolas e os professores mais esperam deles é a concretização de formação que dê resposta(s) às necessidades das escolas e daqueles que nelas trabalham, mas que, frequentemente, se tem confundido com a necessidade de formação que releve para efeitos de avaliação de desempenho e de progressão na carreira.

No meio das dificuldades que se têm colocado ao funcionamento dos CFAE, estes têm conseguido manter um assinalável ritmo de trabalho, mesmo em períodos de grandes constrangimentos orçamentais, com repercussões evidentes na melhoria do desempenho docente, contribuindo dessa forma para melhorar as aprendizagens dos alunos.

Não obstante, em nossa opinião, alicerçada com a experiência do terreno, com a própria investigação e com diversos contributos de especialistas na área da formação contínua, os CFAE deverão adotar as seguintes linhas estratégicas:

- Em primeiro lugar, deverão fazer do caráter associativo a sua razão de ser. Não podemos ignorar que os CFAE resultaram de uma forçada associação de escolas que deixou marcas. Ainda hoje, um número significativo de escolas (ditas associadas) concebe o seu centro de formação como um corpo estranho, isto é, verifica-se ainda um elevado deficit de associativismo.

As escolas terão de assumir a formação quer dos educadores e professores, quer dos restantes agentes educativos como uma função nobre para a qual os CFAE poderão constituir recursos fundamentais. A formação tem de ser concebida para dar respostas a dinâmicas coletivas e não como, por vezes, acontecia e ainda acontece, para induzir meras lógicas individuais.

- Em segundo lugar, fazer emergir a centralidade da formação em contexto como marca identitária do modo específico da sua inserção no sistema de formação contínua. Isso implica centrar a formação ao serviço das dinâmicas de inovação e de mudanças vividas no interior das escolas/agrupamentos de escolas e pressupõe uma conceção de escola com a sua identidade própria, assente no seu projeto educativo. Rui Canário[3] refere-se à formação centrada na escola, afirmando que as escolas assumem uma dupla função: por um lado, comportam-se como pólos dinamizadores e, por outro, como clientes da formação. Neste sentido, as dinâmicas de mudanças vividas nas escolas geram necessidades de formação cujas respostas são dadas através das modalidades de Círculo de Estudo e de Seminários (saberes e competências de estudo e planificação), Projetos (saberes e competências de intervenção), Oficinas e Estágios (saberes e competências pedagógicas e didáticas/ saber-fazer prático). Pretende-se, assim, uma articulação da formação com o desenvolvimento das escolas enquanto organizações e dos professores enquanto pessoas e profissionais, sem nunca esquecer os demais atores educativos. Relativamente ao facto de descentrar a formação dos CFAE e centrá-la nas escolas, Rui Canário[4] questiona: se os CFAE não souberem ou não puderem mudar as escolas, serão as escolas (e os professores) capazes de mudar os CFAE? Enquanto as escolas não aderirem a este paradigma (formação centrada nas escolas), a formação contínua, por muito que nos custe, corre o risco de continuar a ser uma vaga exterioridade ligada à progressão na carreira. Em tese, tal qual acontece, a formação está a construir a lógica justificativa da negação da própria avaliação de desempenho dos educadores e dos professores, isto é, a formação é perspetivada pela negativa (considerada um fator lesivo dos seus interesses) porque impede que se faça uma verdadeira avaliação de desempenho. A formação contínua deve estar ligada à avaliação do desempenho apenas pelos seus efeitos e não pela sua instrumentalidade e exterioridade (acumulação de certificados). Só assim poderá deixar de ser um mero processo técnico e passar a ser mais um processo valorativo[5]. Ligar a formação de professores à progressão na carreira torna-se cada vez mais nefasto já que, se para os que dela precisam para progredir na carreira, tal se apresenta como uma imposição, um sacrifício, para os que atingiram o topo da carreira, tal significa um descanso, o sinónimo de uma perfeição atingida, o cumular de uma formação de temporalidade feita. É a sacralização do tempo decorrido no exercício da atividade docente[6].

- Em terceiro lugar, os CFAE devem assumir-se, cada vez mais, como recursos ao serviço das escolas associadas, em particular, e da comunidade, em geral. Nunca devem perder de vista a dinâmica de relacionamento e de envolvimento local que os caracteriza.

Devem manter-se próximos das escolas e dos professores. Daí a não compreensão do afastamento destas instituições de formação dos Conselhos Municipais de Educação.

Devem criar e gerir Centros de Recursos formativos concebidos não como meras arrecadações de equipamentos de ponta, mas como espaços de múltiplas partilhas, de reflexão, de corresponsabilização e de debate sobre preocupações comuns, como espaços de pesquisa, como espaços de construção de materiais didáticos e documentais, como espaços de aprendizagens para os educadores e professores e demais atores educativos.

- Em quarto lugar, devem estabelecer protocolos/ parcerias com outras entidades formadoras. Ser parceiro implica cooperar, dar e receber, respeitar a individualidade e a especificidade do outro, numa lógica de complementaridade. Esta adesão a redes de interdependência deve privilegiar os próprios CFAE e as instituições do ensino superior sem esquecer outros parceiros que integram o sistema de formação.

- Em quinto lugar, devem tornar-se independentes das verbas dos quadros comunitários. É urgente que cada escola disponha de verbas próprias, através do Orçamento do Estado (OE), para o desenvolvimento das suas atividades formativas. Tal procedimento, por estranho que pareça, vai levar as escolas a pensar o que fazer com aquelas verbas (ou, se calhar, o que fazer àquelas verbas, isto é, vai levar/ obrigar as escolas a refletir).

- Em sexto lugar, dever-se-ão construir planos de ação coerentes, centrados nos problemas das escolas e nos dos professores, tendo por base os planos de formação das escolas/ agrupamentos de escolas associadas, decorrentes dos seus projetos educativos, e dos resultados das avaliações externas numa lógica de projeto.

- Em sétimo lugar, Ao nível pedagógico, as comissões pedagógicas devem exercer competências delegadas pelo Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua (CCPFC), que devem ser contratualizadas diferenciadamente, de acordo com a diversidade dos contextos, com os diferentes estádios de desenvolvimento das diversas instituições e com a sua dimensão. É evidente que os CFAE já têm competências que lhes permitem identificar as necessidades de formação dos profissionais da educação (educadores, professores e pessoal não docente), elaborar os seus planos de ação de modo a dar resposta às necessidades identificadas, estabelecer protocolos com outras entidades formadoras, coordenar projetos de inovação educacional, alargar e/ ou substituir as equipas formadoras, alargar os destinatários das ações. Todavia, importa ir mais além, assumindo-se como espaços geradores de dinâmicas formativas e de decisões procedimentares no interior dos territórios educativos a que os mesmos pertencem. É necessário aprofundar a lógica da autonomia e sustentá-la “em diagnósticos de situação devidamente aprofundados, assumindo-se assim os CFAE como verdadeiras instituições formadoras autónomas, colegiais, com projetos próprios e promotoras de políticas de formação por si definidas, com planos de ação em que a diversidade de modalidades de formação está cada vez mais próxima das práticas pedagógicas, dos contextos escolares e das reais necessidades das escolas e dos professores e que integram mecanismos de avaliação com as consequentes vantagens do ponto de vista qualitativo do processo de formação contínua.[7]

- Em oitavo lugar, ao nível administrativo, é urgente dotar os CFAE de recursos humanos estáveis, minimamente qualificados, que lhes permitam funcionar de forma responsável e sustentada.

- Em nono lugar, ao nível financeiro, para se evitarem riscos de “rotinização das decisões e de procedimentos”, os CFAE devem ter um financiamento estabilizado e adequado à dimensão de cada um. Tal só é possível quando for o OE a financiar as escolas/ agrupamentos de escolas associados, tendo em conta a sua dimensão, isto é, número de alunos, número de professores, situação das escolas/agrupamentos de escolas.

 

Referimos alguns aspetos cuja originalidade se vai perdendo no tempo e que nos parecem essenciais para que os CFAE se assumam como geradores de inovação no interior das escolas/agrupamentos de escolas associados e na própria comunidade.

Estas instituições de formação terão de corresponder a uma necessidade sentida pelas escolas/ agrupamentos de escolas associados, traduzidas pela formulação de um projeto que envolva pessoas com ele identificadas e capazes de o conduzir.

Apesar de tudo é justo afirmar que, ao longo destas duas décadas, muito se fez. Sobre o futuro, fica a esperança da afirmação destas instituições, capazes de proporcionarem uma intervenção formativa, socializadora e cultural das comunidades educativas, numa perspetiva de desenvolvimento local. Importa encarar a escola como espaço de ensino, mas também de aprendizagem, como espaço de encontro dos diversos atores educativos; como espaço de trabalho e de formação; como espaço de cooperação, de solidariedade, de desenvolvimento de valores, de assunção de responsabilidades, de aproximação, de expressão de cidadania, de vida e de felicidade, em suma, como espaço que muda e faz mudar.

 


 

[1] Sá, Ernestina (2002). Comunicação no V Congresso de CFAE, realizado em Évora, nos dias 9,10 e 11 de Outubro de 2002;

[2] Formosinho, João (2003). “Dez anos de Formação Contínua de Professores - 1993 – 2003”in”, J.N. Silva (org) Actas do Seminário “Da Escola que temos à Escola que queremos: que desafios para a formação de professores? Guimarães: CFFH pp 31-34.

[3] Canário Rui, in revista portuguesa de formação de professores, vol. 1, 2001;

[4]  Idem.

[5] Rodrigues, Pedro (2001). A Formação no Contexto de Avaliação do Professor. in Actas do Seminário “(Re)pensar a formação contínua na construção da profissão docente”, Guimarães, 21/02/2001;

[6] Silva, J.N. (2000). Implicações da Formação Contínua nas Práticas dos Professores – Uma abordagem com incidência no Centro de Formação Francisco de Holanda. Tese de Mestrado, Braga: Universidade do Minho (policopiada).

[7] Sá, Ernestina (2002). Comunicação no V Congresso de CFAE, realizado em Évora, nos dias 9,10 e 11 de Outubro de 2002.