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Devo muito à Mouzinho da Silveira
(e ainda não paguei)

João Miguel Tavares
 

Em meados de 1993 eu já tinha tomado a decisão de abandonar o Instituto Superior Técnico, onde durante cerca de dois anos tentara estudar Engenharia Química, com tristíssimos resultados. O Técnico não era para mim. A Química não era para mim. Nem a Física. Nem a Matemática. Andava sorumbático e a pensar o que havia de fazer à vida.

Aos 14 anos cometera um erro que na altura era quase impossível de corrigir sem repetir anos de escolaridade: escolhi ir para a área de Ciências (para onde então iam os bons alunos), em vez de ir para a área de Letras (para onde então iam os que queriam fugir à matemática). Infelizmente, demorei demasiado tempo a descobrir que se fosse dedicar a minha existência às curvas de titulação nunca seria ninguém na vida.

Em 1993 tinha finalmente decidido seguir para Letras, para cursar Filosofia ou Comunicação Social, qualquer coisa que me aproximasse do mundo dos livros, dos jornais, e de um pensamento livre de teoremas e electromagnetismos. Só que havia um problema: eu não queria arriscar um pedido de transferência a partir do Técnico, e para entrar nos cursos de Letras precisava de fazer provas específicas de Filosofia e de Português, sobre matérias que nunca estudara.

Saí do Técnico e fui bater à porta da escola onde passara toda a minha adolescência, entre 1985 e 1991. Eu já tinha saído da Mouzinho da Silveira há dois anos, e não podia fazer outra vez o secundário. Basicamente, fui pedir um favor: que me deixassem assistir às aulas de Filosofia do 12.º ano, para me preparar para as provas específicas, embora não tivesse qualquer direito legal a estar lá.

Disseram-me que sim, e sinto desde essa altura uma enorme dívida de gratidão. À Mouzinho da Silveira, de um modo geral; e à professora Celeste, em particular, com quem aprendi Kant e estudei matérias que o tempo não apagou (coisa que não posso dizer sobre 99% das cadeiras que tive na universidade). A Celestinha – como nós, alunos, lhe chamávamos – era e é uma senhora de metro e meio que sabia muito (mas mesmo muito) de Filosofia, e cujo rigor e profissionalismo continuam a ser um exemplo de vida. Ela não se limitou a acolher-me nas suas aulas durante praticamente um ano lectivo; ela corrigiu-me os testes, aconselhou-me e apoiou-me de uma forma que nunca esquecerei.

A Mouzinho da Silveira é, para mim, a Celestinha e tantos outros professores admiráveis que encontrei (o professor Rolo a História, o professor Moisés a Religião e Moral, a professora Patrocínio a Química, a professora Transmontano a Português, que me deu as minhas únicas três negativas em testes num inesquecível 8º ano), e cuja influência perdura até hoje. Pertenço a uma geração que, apesar de todas as suas falhas, deve muito ao ensino público em Portugal. Os professores do secundário têm uma influência decisiva na nossa vida, e sem alguns daqueles com quem me cruzei na Mouzinho da Silveira não teria com certeza chegado até aqui.