PROFFORMA

REVISTA ONLINE DO CENTRO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DO NORDESTE ALENTEJANO

 

 

 

 

 

 

Entrevista PROFFORMA à professora Luísa Tavares Moreira, coordenadora do Projeto FÉNIX

Luísa Moreira
CEFOPNA

Profforma: É muito comum falar-se de Escola para todos. Estaremos perante uma utopia?

Existem várias finalidades educativas. Talvez a mais importante seja essa: uma Escola para todos e para cada um. Utopia significa não lugar! não porque é impossível mas,  porque ainda não é. Acredito na possibilidade de uma Escola para todos e para cada um, sabendo que o trabalho colaborativo e cooperativo, as dinâmicas pedagógicas, a organização da Escola, a formação de professores, o acesso ao Ensino Superior, entre outros, terão que estar na ordem do dia.

 Profforma: A escolaridade obrigatória até aos 18 anos, 12 anos de escola para todos, veio colocar à Escola novos desafios. Como encara a resposta que tem sido dada pela Escola?

Os desafios da escolaridade obrigatória até aos 18 anos são imensos, pois condicionam opções de Vida. As Escolas vão procurando acompanhar os sinais dos tempos.

A universalização da escolaridade desafia à coexistência de diversos percursos de formação, no sentido de capacitar os alunos e, de acordo com o sucesso de cada um, a gerirem os desafios pessoais e profissionais com que se irão deparar ao longo da vida.

Daí seria importante que, ao nível do Ensino Secundário, as ofertas educativas fossem de encontro às suas áreas vocacionais, o que nem sempre acontece. Muitas vezes, os alunos são obrigados a frequentar cursos para os quais não sentem vocação, o que promove a desmotivação e o abandono.

Profforma: Em sua opinião, a Escola tem conseguido funcionar como elevador social, facilitando uma efetiva igualdade de oportunidades? 

Se é verdade que uma maior escolarização acarreta consigo maior mobilidade social, também é verdade que são os mais frágeis que ficam sempre em desvantagem. Prefiro a noção de equidade do que igualdade, porque equidade é promover as oportunidades possíveis, de acordo com o que cada sujeito necessita em determinado momento. Por vezes, praticamos a igualdade, fomentando um fosso ainda maior. É uma questão de atenção e cuidado relativamente ao que cada pessoa necessita.

 Profforma: As escolas têm solicitado mais autonomia. Considera que o processo de Autonomia e Flexibilidade Curricular tem sido eficaz na concessão dessa mesma autonomia?

Ao longo do tempo, algumas escolas foram usando as suas franjas da Autonomia, o que lhes permitiu inovar, ousar, procurando as melhores respostas para o sucesso educativo.

Todos os processos de autonomia e flexibilidade curricular, são por si mesmos, positivos, pois permitem validar opções de gestão do currículo, conferindo identidade local às aprendizagens e resposta aos interesses dos alunos. Mas os currículos continuam obesos.

É fundamental o uso responsável e rigoroso dessas dinâmicas flexíveis, abertas e autónomas. Todo este processo necessita de exigência e rigor.

Profforma: É comum lermos e ouvirmos que a Escola tem de olhar a “pessoa que mora em cada aluno”. Considera que a atual organização do sistema educativo em Portugal, o sistema de ingresso no Ensino Superior, é compatível com esta máxima?

Os exames para acesso ao Ensino Superior forçam uma formatação do ensino para responder aos exames, deixando baixa margem para atender às especificidades de cada aluno, ou seja, aos seus interesses, ritmos e necessidades.

O acesso ao Ensino Superior ainda está associado à Escola do passado e, como tal, é incompatível com a pessoa que mora em cada aluno. Nesta lógica, o aluno é mais um, onde o número conta mais do que a pessoa que está por detrás do número. Esta é hoje a realidade. Assim, a mudança é urgente e mudar não implica perder rigor. Há que experimentar novas formas de ensinar, aprendendo em contexto e em trabalho cooperativo.

 Profforma: O documento Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória, homologado em setembro de 2017, veio colocar às Escolas novos desafios. Como pensa que, de forma geral, esses desafios foram enfrentados?

A Lei de Bases do Sistema Educativo Português data de 1986. A escolaridade obrigatória, dos 6 aos 18 anos, foi estabelecida em Portugal em 2009, sendo mais alargada do que a existente em diversos países europeus. Este documento representa um esforço pioneiro, entendendo a Educação como sendo a mais humana e humanizadora de todas as atividades individuais. Do perfil apresentado emerge a necessidade de uma nova cultura assente na Justiça, na Solidariedade e na Cidadania. Neste cenário, a noção de educação (e, de certo modo, de cidadão no final dos doze anos de escolaridade obrigatória) apresentada reveste-se de um novo sentido e de uma nova amplitude, porque é aqui assumida como tendo uma importância estratégica para o desenvolvimento harmonioso e integral do ser humano. E viabilizando, deste modo, um crescimento equilibrado e sustentado das sociedades futuras, onde todas as áreas concorrem para o investimento na formação do estudante e no seu desenvolvimento humano, social, cultural, cognitivo e cívico.

Todas as escolas norteiam, agora, as aprendizagens para intencionalmente trabalhar competências para o século XXI.

 Profforma: Num mundo marcado por tantas injustiças e violências, quando as crianças parecem ser as principais vítimas, como pode a Escola contribuir para a construção de um mundo diferente?

A construção do conhecimento de forma integrada, sistémica, onde no “ensino primeiro” se investe na Língua, beneficiando o modo como compreendemos o Mundo ao nosso redor e todas as matérias.

Uma Escola que pensa e reflete sobre estas questões, desafia as crianças a identificar os problemas e, com os parceiros da comunidade encontra soluções.

 Profforma: A Educação para a Cidadania é um processo de sucesso na Escola portuguesa?

É uma medida de promoção do sucesso que foi agora generalizada a todas as Escolas com a missão de ajudar à construção de Cidadania, ativa e responsável. Este processo deve estar incluído em todas as disciplinas. No entanto, os processos vivenciais devem complementar o ensino formal. 

Sem a promoção de uma educação para a decisão, implicando criticidade criativa e flexibilidade mental, não é possível melhorar a consciência cívica.

 A Cidadania tem que ser uma prioridade de todos.

 Profforma: Num texto do Professor Joaquim de Azevedo, pode ler-se que “educação e esperança são duas irmãs inseparáveis”. Concorda com esta visão?

Concordo em absoluto. Esta é a nossa energia! O nosso alimento. De salientar que é uma esperança ativa. Ninguém deve ficar sentado à espera. A “nova” Educação começa sempre aqui e agora e depende de todos.

 Profforma: A formação de professores é, cremos, uma das áreas que pode (deve) servir a transformação da Escola, não só no domínio dos objetivos mas, também, no domínio das práticas. Como vê o trabalho que os CFAE têm desenvolvido?

 Os CFAE são parceiros fundamentais para a atualização curricular e pedagógica dos docentes, para sustentar mudanças na cultura da Escola e para responder a desafios das políticas educativas, permitindo a troca de experiências e o trabalho colaborativo de rede.

Uma formação centrada no trabalho de sala de aula, como espaço de partilha, de troca de experiências e de práticas, onde os “talentos” dos professores têm de ser inspiradores para um trabalho mais aliciante e mais conseguido. Uma sala que não está limitada a quatro paredes…

Profforma: Por vezes, parece que a sociedade atual se está a tornar excessivamente umbiguista. Poderá a escola contribuir para alterar esta forma de ser cidadão?

A Escola pode ser considerada uma micro sociedade. Portanto, aprendemos a viver em conjunto também na escola. O confronto de ideias, a argumentação, a colaboração, o trabalho em equipa são “ingredientes” indispensáveis nos percursos do sucesso. Não é, também, nisto que a Escola deverá investir? Parece-me que sim. Esta é a forma mais sensata de superar os individualismos e certa tendência de olharmos apenas para o nosso umbigo.

Numa sociedade consumista, é um desafio difícil, mas a Escola é um lugar privilegiado para trabalhar a Cidadania, dotando os alunos com ferramentas para a sua ação na Sociedade

Profforma: Se fosse possível eleger três prioridades de intervenção na ação educativa, quais elegeria?

A Escola Pública garante a igualdade de acesso a todos. Este é ainda um grande desafio. É importante que esta se apresente verdadeiramente como garantia de uma sociedade tendencialmente mais justa, numa lógica de equidade: não é dar igual a todos, mas antes “dar”, ensinar aquilo que cada um necessita em determinado momento.

Entre os desafios emergentes que as instituições educativas têm de enfrentar, contemporaneamente, encontra-se a diversidade de pessoas detentoras de múltiplas culturas, saberes e potencialidades, numa pluralidade de formas de ser e de pensar, que convocam à construção da unidade da pessoa num Mundo Global. Face a uma sociedade cada vez mais complexa e, tantas vezes, desagregada nas suas estruturas fundamentais, torna-se imperioso, da mesma maneira, construir os fundamentos de uma relação educativa baseada em valores, saberes e práticas de referência.

Perante os desafios, as exigências e a complexidade próprias do tempo em que vivemos, ser educador/professor é sinónimo de compromisso na construção de uma sociedade mais equitativa e justa na qual seja possível encontrar o sentido para a vida e para o trabalho, num diálogo coeso e aberto com o outro e com todos.

Uma Escola exigente que assente numa cultura colaborativa e reflexiva, que promove a inovação, a mudança e a transformação. Uma Escola que sabe para onde quer ir e onde os alunos têm voz.