PROFFORMA

REVISTA ONLINE DO CENTRO DE FORMAÇÃO
DE PROFESSORES DO NORDESTE ALENTEJANO

 

 

 

 

 

 

A sala de professores. Perguntaram. Eu conto.

MDM
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Pediram-me que lembrasse um episódio da minha experiência de Escola. Como aluna, ou como professora, acrescentaram. Fiquei a pensar…. Que importância pode ter a minha experiência? Mas convenceram-me, é bom recordar, foi professora quarenta anos, há-de haver algum episódio que recorde. Há tantos.

Tendo decidido aceitar o convite/desafio, decidi começar pelo princípio. O meu primeiro dia de aulas, como professora de liceu, era assim que se designava, aconteceu num Outubro tórrido. Sim, não é só agora que as estações do ano andam baralhadas.  Recém-chegada da faculdade, onde nunca ninguém me ensinou a “dar aulas”, carregava um nervoso miudinho e uma ansiedade terrível. O calor não ajudava e sob a bata branca, era ainda tempo das batas brancas, o suor escorria sem parar. Ao entrar na sala de professores, sala com duas largas camilhas e uma mesa antiga, de madeira torneada, lindíssima, ao centro, procurei tornar-me invisível. Aos meus bons dias sussurrados respondeu-me um sonoro seja bem-vinda menina, que fez cair em mim todos os olhos da sala. Era um cumprimento do Dr. José Nunes a que viria a habituar-me ao longo do tempo. Era um cumprimento cheio de energia e, sem dúvida, de ternura para os novos – como dizia. A sala de professores era claramente um espaço de discriminação: - as camilhas eram para as senhoras, o sofá e as janelas para os homens. Fumava-se ainda, e os cavalheiros faziam-no de pé, junto à janela, conversando sobre Badajoz e futebol, sobre a cidade e as famílias também. Na época, e procuro na minha memória, não havia grandes problemas de indisciplina e os alunos não ocupavam o tempo livre da maioria dos docentes.

Mas a sala de professores era, sem dúvida, um espaço de muitas aprendizagens e, sobretudo, de muitas amizades e cumplicidades. Cedo perdi o medo inicial, e gostava de me sentar à volta da camilha, conversando e, sobretudo, aprendendo com os mais experientes. Mais tarde, já noutra escola, encontrei salas de professores bem diferentes.

Antes de me aposentar, e com mágoa o digo, encontrei salas de professores marcadas pela angústia, pelo silêncio incómodo e por muita desilusão. Inimizades? Talvez. Mas, sobretudo, pouca ou nenhuma vontade de construir teias e criar laços. Então, nas últimas salas de professores do meu tempo de professora, já não havia bons-dias sonoros, eu já não era menina e já ninguém tinha batas brancas. Não experimento nostalgia ao constatar estas diferenças. Afinal, o tempo é uma transformação constante e, por isso, a mudança que aconteceu na escola, na sala de professores e na sala de aulas, deve ser encarada como sinal de evolução.

Às vezes, confesso, tenho saudades da Escola. Mas sempre recordo, com imenso carinho, a minha entrada na primeira sala de professores dos meus 40 anos de docência. Ainda tenho na memória, bem vivo, o cheiro forte da sala misturado com cigarros e com charuto!